segunda-feira, outubro 15

Crônica da Conceição Freitas

A REPÓRTER,
A REALIDADE
E CHE GUEVARA

O dia nem bem havia começado, a repórter novinha, em começo de carreira, folheia os jornais e os sites denotícias e suspira:— Meu Deus, como é difícil! Talvez ela nem tenha percebido oquão profundo foi seu lamento.

Quem o ouviu, no raro silêncio da redação (eram oito da manhã e o silêncio, em menos de uma hora, se transformará numa zoeira ascendente), o lamento da jovem repórtersentiu o espanto da moça com as tragédias diárias da vida. Tragédias que circulam pela editoria deCidades numa constância quase insuportável. Sempre foi assim, mas tem sido pior.

Os acontecimentos dos últimos dias têm mostrado isso. Há menos de um mês, o Correio começou a denunciar o extermínio de adolescentes noEntorno, vítimas da guerra do tráfico. A realidade dos morros do Rio e da periferiade São Paulo cruamente plantada nos arredores de Brasília. Um repórter foi baleado durante apuração da matéria.

Depois, o brutal acidente que matoutrês mulheres na Ponte JK — umhomem de 49 anos, num carro abastecido de cerveja, uísque, cocaína e maconha, segundo laudo da polícia, enlouquecidono asfalto, numa cidade nascida de princípios urbanistas que privilegiaram o carro e de uma política de trânsito que perdeu o controle sobre a velocidade segura nas nossas perigosas autopistas.

A jovem repórter de olhos brilhantes— bom sinal para quem vai viver de capturar a realidade e narrá-la aos leitores — desafogou seu espanto no dia seguinte à notícia que uma mulher de 30 anos, com distúrbios mentais, era mantida encarcerada em quartosem cama nem colchão, e submetida a maus-tratos. Darlete Santos Coimbra tinha queimaduras e hematomas espalhados pelo corpo. Seus algozes mantinham-na em cativeiro para receberos benefícios sociais a que ela tem direito.

O assombro da repórter, o desabafo inesperado de sua humanidade assustada,deve ter aumentado depois dasnotícias de ontem. Um bebê de doismeses foi encontrado sozinho numapartamento da Asa Sul. A mãe havia sido internada num pronto-socorro psiquiátrico e a avó estava no trabalho. A criança estava tão suja que precisou ser levada a um hospital para cuidados de higiene. Segundo os vizinhos, não foi a primeira vez que a nenémtinha ficado sozinha.
Repórter de Cidades, e de cidades brasileiras, grandes, desiguais, transita numa gangorra que, para se manter equilibrada, tem de balancear a indignação, a emoção e a objetividade. De modo tal que jamais deixe de lamentar(“Meu Deus, como é difícil!”), por mais que doa. Mas que a dor e o assombro não sejam paralisantes. A propósito dos 40 anos de morte de CheGuevara, tem de ser duro sem jamais perder a ternura.

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E esta repórter sou eu. Doce surpresa ao ler no jornal de sábado, depois de me sentir a mais cansada das pessoas.

Obrigada, Conceição.

3 comentários:

FatimaLeite disse...

Linda crônica!!!!!
"Que cuando nascen cenizas, un viento enciende las brasas... El viento sereno y limpio que tu me mandas..."
Que vc sempre arda, sempre brilhe, sempre queime, e se consuma lindamente!
Um beijo,
Fatinha

Robinho disse...

Oulha!
=]

força ai kbcuda!
=D

melhor isso q Mec Flu!

=/

Anônimo disse...

Vc é mesmo esta menina de olhos brilhantes, que não esconde o que sente na alma. Para a gente que está fora dos acontecimentos de CIdades, é o nosso termômetro. Quando está feliz e sorridente, é porque tudo corre azul em Brasília. Quando está tensa e calada, alguma merda aconteceu. Continue assim, transparente aos olhos.