segunda-feira, maio 15

Márcia e Roberto

Sabe essas pessoas que não gostam do nome? E o rejeitam tanto que só a carteira de identidade parece chamá-los com o nome verdadeiro? Chama-se Jandira e o apelido é Tica. A Eliete vira Lili. O Rosenval quer ser conhecido por Rogério. E daí vai...

A moça que trabalhava lá em casa era Ignácia até os onze anos de idade. Àquela altura, aos 21, ela só respondia por Márcia. Nada pareceu ser obstáculo a isso até que veio o Roberto. O namoro foi dando certo, dando certo até chegar o dia das alianças de noivado.

O drama começou na consciência da Márcia. Ele tinha que saber que o nome dela era outro. Vai ser amanhã, dona, prometo. Era o que me afirmava toda vez que eu perguntava se o Roberto já sabia da Ignácia. Mas nada.

Passaram-se quatro meses desde aquele setembro. Roberto queria abrir uma conta-poupança para fazer o pé de meia. E quando ele sugeriu que fosse conjunta, ela preveu o momento decisivo. Ele vai saber, ele vai pedir meus documentos.

Um calafrio estranho, sem tremedeiras subiu na espinha de Márcia. Ela percebeu que era agora ou nunca. Ai, bem, temos de fazer isso? Abre a conta só no teu nome, vai. Tentou se livrar. Ele estranhou muito. E insistiu.

Outro tremilique interno. Agora, o estômago começou a ser atacado também. Borboletas pareciam voar lá por dentro e ela não conseguia mas esconder o nervoso.

O que te acontece, Márcia? Ele perguntou.

Ela disse na lata: nada de Márcia. Eu tenho outro nome. Nunca te falei. É que tenho vergonha dele, sabe?

Pronto. O furo foi aberto, a bolha explodiu e ela se sentia mais leve.

Ele pasmo, embranqueceu.
Eu também. Mas eu também tenho outro nome.

Sério? Ela falou baixinho, como quem ainda quer acreditar se ouviu bem.
Qual é, Roberto?

Mas me fala o seu primeiro, então.

Ignácia. Minha mãe queria que eu me chamasse Ignácia.

Ele não conseguiu controlar a gargalhada nervosa. E ela, me contou, foi ficando com uma mistura de raiva e curiosidade.

Pára de rir. Pára de rir, Roberto, e me fala o seu logo.

Desculpa, Ignácia, é que quase não dá para acreditar.

Meu nome é Ignácio.

sexta-feira, maio 12

Uma caneta perdida

Ela é pianista. Sevillana de berço.
Já morou na Suíça, Canadá, França...
Deu aula de piano por todas as cidades que passou ao acompanhar a vida de diplomata do marido.
No Brasil, se encanta com a rapidez do desenvolvimento musical dos talentos de seus alunos.

Depois da entrevista, saio em outro planeta.
Ela sim, deve ter muitas historinhas para contar e já conto aqui outras dela.

Deixo, no banco amarelo, minha caneta roxa.
Ela me devolve com um sorriso contemplativo: Você deixou sua caneta.
Eu respondo: Sempre deixo canetas por aí.
Ela prevê: Já vejo que és artista, artistas sempre perdem as canetas, os dias da semana...

Eu rio comigo mesma. Sou distraída, isso sim.

segunda-feira, maio 8

Pechincha na calculadora

Me disseram que não teria outro lugar que a feira para comprar aquele HD portátil de 50 giga de memória em Taiwan. Eu só falava inglês, além do português.

Naquela quarta chuvosa o camarada chinês que me fazia as vezes de intéprete não poderia ir comigo. E era minha última oportunidade. Peguei o táxi com o endereço anotado em desenhos para mostrar ao motorista.

Cheguei a feira com minha capa de chuva amarela muito discreta (!) e uma única recomendação na cabeça: olha não aceite o primeiro número que o vendedor te apresentar na calculadora.

Sim, você não leu errado. Naquele comércio paralelo não havia etiquetas com preços. Tudo era acordado na hora, cara a cara. Com os estrangeiros, a técnica é uma mistra de imagem e ação. Você chega, aponta teu produto e depois faz o gesto internacional de dindin com os dedos. O vendedor pega a calculadora e escreve o preço em dólares. Você pega a calculadora e aponta o seu preço. E o duelo começa. Até que ele balança a cabeça num acordo.

E eu, que sempre detestei essa de pechinchar valores, já fui me preparando para não dar uma de turista otário.

Quando pedi -- não me pergunte como -- por um HD portátil que era lançamento na época, com mais gigas de memória, o rapaz muito contente, o que me deixou cabreiro, foi buscar pois não estava nas prateleiras da frente da lojica. Quando voltou, me deu a calculadora.

Sem preço. E apontou para mim num gesto: e você, quanto está disposto pagar?

Eu gelei. Não tinha noção. E se eu pagasse muito? E se meu valor fosse exageradamente baixo e ele desconfiasse que eu não tinha muito claro o quanto aquilo valia, já que se tratava de um lançamento?

Insisti para que ele me desse um valor. Ele riu marotamente e fez que não.
Decidi não arriscar e comprei outro, de menos memória a um preço muito bom. Não me arrependo. Já sou muito azarado, não queria dar mais chance a acaso.

[essa quem contou foi a Lenise, dona das melhores estórias, mas aconteceu com um colega dela.]

sexta-feira, maio 5

Sobe?

Segundo andar. Sobe.

-- Ai coitada dessa moça, não descansa nem no final de semana. Já são mais de oito da noite e ela ainda está aqui.

Comento eu, a jornalista mais sem noção dessa história. No elevador uma menininha linda e super delicada já vem a meu socorro.

-- Não tia. Essa voz é gravada.

E eu não sei mentir nem disfarcei: ah, que bom. E dei risada.

[essa quem contou foi a Luciana.]

quarta-feira, maio 3

Baratas voadoras comem pizzas

O cenário é o de uma pizzaria abarrotada de gente. Há grupos para todos os lados. Gente que veio comemorar o aniversário, amigos confraternizando amigo oculto... Ninguém vem sozinho a uma pizzaria. Quer dizer, nem a dois ou a três.

Naquela bagunça de vozes altas cantando Parabéns pra você, molequinhos vendendo flores e balinhas estivemos lá, todo o time de futebol de salão e mais algumas respectivas namoradas. E a nossa mesa loooonga, daquelas brancas de plástico, ficou do lado de fora da extinta Piano Pizza.

Passaram-se algumas horas -- e muitas pizzas -- até as baratas começarem a cair sem pára-quedas. Sério. Houve uma enxurrada de baratas na nossa mesa. Elas pareciam vir do toldo de plástico da pizzaria, numa habilidade genuína de quem pratica bungee-jump.

Um certo pavor nos desconcertou. O susto foi tão grande que ninguém gritou. Afastamos as mesas rapidamente. Daí a cena mais engraçada: os garçons começaram a correr atrás das baratas desesperadamente.

Quando tudo voltou ao quase-normal e algumas pessoas resolveram continuar a comer, já que os pratos não tinham sido atingidos. Mas eu percebi que começamos a comer com mais pressa, como quem pensa em sair logo dali.

Então veio a voadora. Ela caiu do toldo e num vôo rasante, passou por cima das pizzas, cruzou a pista e foi parar direto na cozinha do restaurante, muita gente viu e foi um alvoroço.

-- Caramba! Olha lá olha lá... e todas as cabeças olhando as baratinhas.

Não me esqueço desta cena. Foi incrível.

Moral da história: jamais peça pizza de rúcula com tomate seco porque o aspecto murchinho e brilhoso do tomate lembra uma baratinha. Que local perfeito para camuflagem!

[quem me contou foi o Bernardo.]