sexta-feira, janeiro 12

Lost

Ela tinha tudo que precisava à mão: carro equipado com GPS, direções tiradas do sensacional mapquest. Agora, na hora do terror de ler as placas Exit 99 straight, Exit 97 left only a coisa é um pouquinho mais complexa. Um probleminha entre o voltante e o assento da van Grand Vouyager da Chrysler.

Então, escolheu a saída. Errada. Não percebeu, pois o Chico cantava dentro do carro para acalmá-la antes de ficar nervosa. Passou bastante tempo e nada da placa cinza aparecer de novo. De repente tudo parecia distante. Parecia caminho com cara de perdido. Sabe como é: quando você se perde a rua parece fazer cara de perdida para você.

Ela olha de novo o mapa, passa por uma indicação Vermount. Pronto. O frio da espinha - bem pior que os -2ºC que faziam lá fora - subiu-lhe com a certeza de estar errada e a incerteza de saber consertar. Onde há o retorno? E retorno para onde?

Olho no celular: low battery.
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!

Pronto, o coração se desespera antes da hora.
Cala a boca, Chico Buarque! Depois você diz amanhã ninguém sabe.

Ela sai do carro para respirar. Pensa, pensa, olha ao redor... O carregador do Jonas! Sabe lá onde esse menino largou aquele negócio que carrega o celular no acendedor de cigarro. Procura pelo aparelhinho, mas não encontra.

No auge do desespero, senta no meio-fio e começa a chorar. O frio nem importa mais.
COMO vou sair daqui?

Passam-se uns longos treze minutos.
Um carro azul marinho muda de faixa, passa para a terceira da free-way, reduz de 90km/h para 30km/h, vai parando com pisca alerta.

Sai de lá um senhor meio gordinho lhe pergunta: May I help you, madam?
Ela olha para ele: Whati?

Chora mais. Não consegue nem entender, que dirá explicar.
Ela pega o mapa, mostra o endereço e aponta: here! here! entre soluços.

Ele se enternece, diz algo, e volta para o carro.
Ela entende que vai segui-lo.

E o senhor gordinho a leva de volta, um desvio de 15km na sua rota...
Ela agradece, contente por saber dizer Thank iuú! Thank you!

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quinta-feira, janeiro 11

Férias, de novo no supermercado

Foi comprar gelatina. Dizem que prende o cabelo até debaixo d'água.
Mas não era para alisar os cabelos, era para aquela receita gostosa mesmo. Isso acontece sempre - a vó se dá na conta de que falta um ingrediente e lá vai ele para o mercado.

É que ele não era um menininho reclamão. Nunca havia sido.
Ia porque gostava de ver gente, mesmo que o desenho mais legal do mundo tivesse passando na tevê.

Gelatina colorida: tinha de ser de cor roxa.

As prateleiras já lhe pareciam mais altas. Ele costumava ir de bicicleta para o mercado, mas hoje foi de moto. Há coisas de família que não mudam mesmo. Nem passando nove, dez, vinte e três anos. No caso do Marcelo foram 19, na verdade.

Agora ele era publicitário. Que diferença ver os cartazes do mercado do seu Luis! A letra cursiva, escrita a pincél e guache por cima da cartolina (será que dava um A3 ou um B4 ?) já lhe faziam pensar em outras coisas. Não curtia mais ficar zanzando para ver as amostras grátis ou ficar esperando o pãozinho sair quentinho. Duro era não querer sofrer do próprio "veneno".

Diante da prateleira, a famosa gelatina.
Depois, a fila única do caixa ainda sem leitura de código de barra.

Rapidamente se distrai.
Vai olhando os moradores, acena com a cabeça para alguns. E nada parecia diferente. Isso não lhe incomodava. Da altura de seus 28 anos, Marcelo ainda era o Pernalonga. Quase campeão de basquete, agora um pouco menos traumatizado de suas longas canelas. O tamanho lhe era uma marca tão própria que as pessoas lhe reconheciam de costas e gritavam pernalonga!

Desta vez, a voz era parecida.
Se vira, e vê que vem sorrindo a ele Janaína.

Ah, tem coisas que mudam, sim, pensou.
Ainda bem.