domingo, setembro 27

planta teimosa

tenho em meu coração sentimentos
de uma planta
que nasceu
está a florescer

mas agora não se pode
podar
nem hidratar

a planta enlourece do sol
encurva-se com a dor

mas se recusa a morrer
no meu interior

Acordar com os pássaros depois de um pesadelo

Encantar-se com o uivo, sem medo, do vendaval

Esquecer do dia da semana ao ouvir uma sinfonia

Dar a vez na fila do banco

Fazer a mala quando se tem medo de voar

Falar de amor

Tocar uma música ao surdo

Mostrar as cores a um cego

Escrever poemas a um engenheiro

Cozinhar com três ingredientes e sem fome

Comprar pão com as notícias do domingo

Passar por uma cirurgia

Abrir a boca para o dentista

Fazer um elogio sincero

Escolher o presente querendo agradar

Preencher a ficha de inscrição de um concurso

Enviar uma carta pelos Correios

Visitar um desconhecido, doente

Caminhar pela praia, sem relógio, sem porquê

Soltar o cachorro da coleira

Levar o papagaio para a rua

Esperar a nota vermelha

Deixar-se as unhas por fazer

Vestir-se de branco para o altar

Despir-se inteira para se desenhar

Rir do prato que quebrou

Jogar o sobrinho no ar

Deixar a pipa alçar voo

Empinar a bicicleta sem as mãos

Levar a calça para fazer bainha

Buscar um filme na locadora

Fazer transferência bancária pela internet

Pintar os cabelos de furta cor

Deixar o bigode crescer

Comer mangaba sem sofrer

Tirar os pêlos do lugar

Animar os jovens a votar

Voltar para casa da farra sem vomitar

Pular o muro para cair na praia

Esquecer a chave de casa

Mudar de país sem falar outra língua

Esperar os gêmeos para o parto normal

Ler uma historinha no final do dia

Comer pastel na rua

Deixar o celular desligado

Deitar no colo e esquecer-se do lugar

Ler um novo romance sem olhar a última página

Apostar no bolão do trabalho para não ficar de fora

Passar o rímel num dia triste

Cantar no banheiro sem perder o tom

Deixar o despertador tocar só uma vez

Deixar o despertador sem tocar

Dirigir sem saber o lugar

Pegar um ônibus pela primeira vez

Levar a vida como seu único freguês.