terça-feira, julho 15

recado ao menino sem jeito

Naquela nuvem, naquela,
mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.

Os sonhos foram sonhados,
e o padecimento aceito.
E onde estás, menino sem jeito?

Imensos jardins da insônia,
de um olhar de despedida
deram flor por toda a vida.

Ai de mim que sobrevivo
sem o coração no peito.
E onde estás, menino sem jeito?

Longe, longe, atrás do oceano
que nos meus olhos se aleita,
entre pálpebras de areia

Longe, longe... Deus te guarde
sobre o seu lado direito,
como eu te guardava do outro,
noite e dia, menino sem jeito.

(colagem por cima do poema de Cecilia Meireles)

segunda-feira, julho 14

peripécias desimportantes

De que lado vou sair?
Na Paulista. O importante é você saltar na Consolação, guarda isto, eu te encontro lá.

Sem muitos atrasos, corro ao shopping vizinho e para não perder tempo, compro o relógio de parede de presente (adoro relógios de parede!): vai ficar legal no novo apartamento dela...

E saio contente pela cidade cinza, num breve respiro de alívio. Ao saltar na Consolação, percebo: ah, mas tem duas saídas que dão para a Paulista. Nada de desencontro, a amiga está lá, do outro lado da rua, com o sorriso habitual.

Apagam-se as saudades, e por algumas horas, todos os meses de distância se evaporam. Lembra de ontem, quando conversamos em Brasília? E São Paulo vira apenas uma testemunha desse virar a página.

Uma longa (curtida e inesperadamente) longa caminhada nos levou até a FAAP. E lá, depois de papo ao ar e comprinhas nas lojas de rua, Marrocos, o útimo dia da exposição, nos aguardava.

(Mas antes tivemos de nos sentir pobres e bregas ao lado de tantas meninas-tô-quase-na-primeira-fileira-da-Fashion-Week. Nada que minha bolsa semi-fashion tirada do armário de fantasias não pudesse remediar)

Viagem pela viagem dos sonhos, e a vontade de tomar o chá de menta em copo transparente só nos fez compartilhar mais da amizade, que existe há 8 anos.

Neste dia de sol em São Paulo (um gde feito para essa cidade, diga-se de passagem), o passeio foi mero pretexto ao papo. Falamos sobre coisas da vida, da humanidade, do amor e da política e até de como encarar (ou não) os primeiros fios brancos da cabeça. Então, falamos de coisas fúteis também. (ei, vocês já testaram o novo blush líquido da Boticário? Sim, eu escrevi líquido, parece cor de esmalte e o treco de deixa com cara de ressuscitada, mesmo depois de cinco meses de exílio).

O importante não é a pauta, repito-me outra vez, mas a prosa.
E o cansaço da vida, que é descoberta mais real e menos amiga de cada dia, nos descobrimos de novo duas bourjois, quero dizer, duas burguesas desencanadas, que terminam o dia comendo pão de queijo na padaria da esquina, com direito a pingado para acompanhar.

Ah, deveríamos ter um passeio assim, a cada temporada, pelo menos. Para lembrar da vida, e esquecer de tudo.. E terminar o dia com dor-de-cabeça de tanto andarolar. Depois de quase perder o ônibus por causa de uma ligação no celular para a França ou depois de acabar no ponto final e rir de não ter reparado no percurso, que ia no sentido oposto ao desejado, por culpa do Kings of Convenience compartilhado nos ouvidos.

Não poderia ter tido uma despedida melhor de SP, passando pela Paulista, pela Sé, pelo terminal Barra Funda, pela Brigadeiro Luiz Antônio, pelo Pacaembu e pela Av Augusta (não necessariamente nesta mesma ordem, por favor, não esqueçam que eu sou uma perdida).

Obrigada, Laís.
Podemos voltar, para nos perder de novo?

:)



[quem quiser ler, ela também escreveu sobre este dia no blog dela, é só clicar aqui ]

incubadora

Somavam-se umas 72 horas de maratona.
Os dois estavam abatidos. Iam no terceiro carro do metrô das 17h45.

Não havia bancos, nem espaço para segurar. E por dentro, Julia amargava a novidade. Depois da Sé, consegue sentar. Suspira. O marido não vê mais ninguém na frente, só ela. Embora não tenha o que dizer, e bem que não queira, acompanha a dor silenciosa dela, como se a pudesse recolher um pedaço desse mal estar com os olhos.

Julia não queria estar ali. Reflete, se retorce.

Não consegue voltar os olhar ao marido. Perde a vista no pacote, grande, de roupinhas cor de rosa bebê compradas na 25 de março. O sacolejo do metrô embala os pensamentos dela. O aperto de gente atrapalha e segura as lágrimas dela. Burburinho de pés, portas e sacolas invade o deslocamento dela.

Pobre. Como se sente pobre.

Ao desembarcar, ele pega as sacolas dela. E num breve alívio, Julia se permite chorar. Muito. Aproveita as mãos ocupadas do marido e chora longe do abraço dele. Aperta o passo. Sai na sua frente.

Ele entende o recado. Espera e caminha sem a perder de vista.

Não queria sair do hospital, não queria voltar para casa sem o filho. Não quer entrar no quarto dele, perfumado, pronto para a chegada. Não. Por que?

Na entrada da casa, pequena, no alto da rua, Julia pára e observa o carro estacionado. O marido a alcança. Também se desconcerta. Reconhece a placa, sabe que são os pais dela.

Julia olha para trás. Arranca a chave da bolsa. As mãos tremem.

No sofá, espera a mãe. O pai, agora avô, vem trazendo o café. Ela sorri. Não esboça alívio. Mas lembra da cara amassada pelos soluços e sacolejos da viagem. Ajeita o cabelo, espera o abraço da mãe.

Minha filha, Henrique já vem.
A casa dele é aqui.

Ela esquece de se controlar ...
Olhos transbordantes agradecem a mãe. Mas ela só queria o primeiro filho, agora, em seus braços.