sexta-feira, dezembro 1

Descanso

Ele queria deixar tudo explodir junto com sua cabeça.
Queria um refresco.
Pensou em ouvir uma música.

Não.
A cabeça dói demais.

Pensou em ler, ligar a tevê.

Cansado demais.

Abriu a gaveta do escritório e sorriu.
A foto dela estava lá, no meio da papelada.

E encontrou o descanso no seu olhar.
Quem precisa de sinfonia?
Descansou olhando o seu olhar, o dela.
Não precisava mais nada.

E voltou a trabalhar, aliviado, sem tomar neosaldina.

quinta-feira, novembro 23

Agradecimentos

Quantas palavras obrigado já saíram sem valer nada? E quantas oportunidades de agradecer foram desperdiçadas? Neste post, reconsidero os muito obrigada que nunca dei... e faltaram!

Quero agradecer ao Zico pelo amor à camisa que deu ao meu coração cores rubronegras.
Quero agradecer ao meu avô paterno por ter muitos muitos pacotinhos de figurinhas -- sempre -- para meus álbuns serem completados mais rapidamente.
Quero agradecer a minha única professora de natação, Patrícia, que me ensinou todos os quatro nados com perfeição de detalhes e ao mesmo tempo me ensinou a gostar de nadar.
Quero agradecer à minha única professora de ballet, que me fez desistir.

Quero agradecer ao CESPE, que dificultou a minha entrada no vestibular, elaborando provas cada vez mais difíceis, me deixando mais tempo no cursinho para pensar na vida e ver que Medicina não era mesmo MESMO a minha praia, Ufa!
Quero agradecer ao meu cabelo, por sempre se comportar bem.
Quero agradecer ao meu , por ser feio feio muito feio, além de grande.

Quero agradecer ao Meu Primeiro Gradiente por ter me feito a criança mais feliz naquele natal.
Quero agradecer ao meu avô materno, que está no Céu, que me empurrou a andar de bicicleta sem rodinha pela primeira vez, mesmo sabendo que eu ia cair.
Quero agradecer ao meu 'tiomaisbonito' que me levava com carinho às aulas de catequese.

Quero agradecer ao meu primo, pelos filmes de terror que alugava nas férias e eu fingia detestar mas curtia muito.
Quero agradecer à minha prima, por ler muito nas férias e não me dar bola e me deixar sem alternativas que ler muito também junto com ela.

Quero agradecer à minha amiga carioca que sempre me recebeu na casa dela com vários tipos diferentes de geléia, pães de forma variados, muiiito requeijão congelado e... todo o guarda-roupa à disposição.
Quero agradecer ao meu ortopedista que consertou meus pés dos 2 aos 7 anos.
Quero agradecer à prof. Marta, de História da 8a série, que me colocou à frente do projeto de teatro da turma e me fez descobrir um protótipo de roteirista-produtora em mim.

Quero agradecer aos produtores do Sítio do Picapau Amarelo e do Mundo de Beackman.
Quero agradecer a Fernando Pessoa, pelas vezes - muitas - que me fez perder o ponto de descer do ônibus.
Quero agradecer ao metrô de Washington, por sempre me levar aonde eu queria ir (quando não me perdia de linha, claro)
Quero agradecer ao(s) carteiro(s), sim, todos, que me traziam as cartas boas e as cartas tristes.

E... quero agradecer à minha falecida Vó Darcy por todas as balinhas de coco que ela fez e por fazer questão de reunir toda a família no Natal e por sempre convencer o vovô a se vestir de papai noel para entregar os presentes para nós.

[e ao pai, à mãe, ao irmão, à irmã: agradeço por tudo e sempre :) ]

Corte, parcial

Ela sentou na cadeira e esperou ser "levantada". Deu aquele friozinho na barriga. Não, não vais mudar de idéia. Nem estás pensando nisto.

Ela se mexeu. Ele perguntou: Tá bom aqui?
Ela fez que sim com a cabeça enquanto esperava o moço simples colocar-lhe o avental. Passou outro segundo até que a cena do espelho lhe fez lembrar outra vez que (!)...
Não, já concordastes que não vais pensar outra vez nesta pessoa, que não vais permitir que mais um bobo acontecimento seja motivo de se desculpar em estares com a cabeça nestas lembranças. Já vais replicar: mas é que esse moço está com o perfume dele, mas é que da última vez que passei por aqui ele estava comigo, mas não é culpa minha, me ofereceram a revista para a qual ele escreve!

Ela resolveu colocar os fones no ouvido, talvez essa voz interna, masculina e repressora parasse. Nenhum playlist era neutro. Ou ele gostava ou ela gostava de ouvir com ele; ou ele havia lhe ensinado a apreciar ou ela havia copiado do CD original para ele também...

Quero outra trilha sonora. Agora, pensou.

Fones ao ar, o barulho que ficou foi o do ventilador e o da água que se derramava na cabeça dela. Ei, como vim parar aqui? Ai(!), por favor, pode trocar? Pode lavar meu cabelo com água fria mesmo.

A moçoila estranhou, mas seguiu o pedido.

De volta à cadeira.
Como vai ser o corte?

Que pergunta (suspiro fraco). Como vai ser a vida? Como vou acordar e continuar amanhã? Como vou jogar fora o que restou deste sentimento? O que vou fazer para tudo passar e passar sem fazer drama? E como vou juntar os pedaços? E o que é novamente, depois de mais madura, conviver com um coração em frangalhos?

Tantas outras perguntas mais importantes sem resposta que já guardava, que a moça não se perturbou em ficar com outra em branco: não sei o corte, disse. Quero uma novidade positiva, só isso, pensou.

Pode ser curto?
Pode mudar para valer?

Ela nem se alterou. Outra vez a eterna discussão. Ele sempre gostou do curto.
Você ia trocar a cor e não o tamanho. Vai parecer que fez para fazê-lo voltar. E você nunca gostou muito da idéia de cortar o cabelo tanto assim. Pode se arrepender duplamente.

Ela questionou a voz infame pela oitava vez no dia. Resolveu que venceria este duelo.

Vou cortar, disse ela.
Curto?

Aham.
Quer escolher o corte?

Faz o que quiser. Só não quero parecer Edward Mãos-de-Tesoura com essa minha cara branca e um cabelo sem jeito.
Ele riu.

Ela confiava no sujeito, fazia sete anos que deixava as madeixas naquele chão a cada trimestre. E ele conhecia bem a cliente: o que aconteceu com você, Vivian?

Na verdade, eu quero que aconteça algo, pensou.
E achou melhor ficar muda e esperar o visual aparecer.

Vinte e um minutos depois, ela pula da cadeira, voa para a porta discretamente.
A novidade não era agora o cabelo, ou a falta dele. Uma mensagem no celular mudava o foco da cena. Ela disfarça, olha o cabelo cuidadosamente no espelho.
Mas quer ver o lado de fora do salão. Será mesmo que me espera?

Ela paga correndo.

Sai e vê de longe as margaridas grandes nas mãos do rapaz, de costas, vestindo camiseta branca e jeans surrado.

Outro arrepio.
Não pode ser.

Você só poderia estar aqui.
Só não pensava que ia te encontrar ainda mais bonita.

Golpe baixo.
Baixíssimo.

Ela se vira para as margaridas.
Pensa no cabelo novo -- ele deve mesmo ter gostado -- e ao mesmo tempo onde está seu carro, quem falou para ele o endereço do salão, o número novo do celular dela, pensa que ele está mais magro, por onde ele andou nesses dois meses, como ele lembrou que ela adora margaridas, que a calça dele é aquela que ela deu de Natal no ano passado...
Pensa que não vai voltar assim fácil, que nem cortou o cabelo por causa dele, COMO vai disfarçar que o coração dela está batendo enlouquecidamente agora. Pensa no que vai falar, pensa se vai aceitar o buquê... pensa tudo ao mesmo tempo, em instantes de segundo e não fala nada, tonta em seus pensamentos.

Ele, calmo, ri do jeito dela, como costumava fazer, como quem já sabe o que passa na cabeça dela. E avisa:

Seu carro está do outro lado, Vivian.

Mas
Mas eu quero ficar aqui.

quarta-feira, novembro 8

Campos Semânticos Pessoais

Uma palavra diz e esconde.
Várias palavras sortidas também.

Já perceberam que a peculiaridade de cada pessoa também está nas palavras que ela usa com frequência para se expressar? Chamo de campo semântico pessoal, para quem gosta de siglas, CSP.

Vou enumerar alguns. Vamos ver se vocês reconhecessem os donos ;)
Ready?

  • gente, muito louco -- gela-- suquildo

  • combina-- bonitinha-- tá engraçadinha-- ratinhos-- classe três-- pelinha

  • frenético-- bolinhas-- frangalhos-- caracas-- speachless

  • super-- câmbio-- canela-- ficou legal-- marraio-- esperto do méier

  • confia-- chilling-- relaxa-- vacilo

  • espetacular-- demais-- dois palitos-- neguetes

...to be continued...

terça-feira, novembro 7

Três frases do dia

"Hoje, acho que o problema da rede não está mais
na invasão de privacidade e sim na evasão de privacidade."
(um comentário que rola no meio cibernético)

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“You can fool some of the people all of the time,
you can fool all of the people some of the time,
but you can't fool all of the people all of the time”.
(An old saying)

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"Una palabra no dice nada
y al mismo tiempo lo esconde todo."
(da canção de Carlos Varela)

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sábado, novembro 4

Paulinho, do trombone














Aos nove anos, perdeu a mãe. No mesmo ano, seu talento amanhecia. Aluno interno do Instituto Arruda Câmara, fazia parte da equipe de limpeza. Depois de varrer o pátio, corria para a sala de música e ouvia o ensaio da banda, atrás da porta, com a vassoura na mão. Um dia, foi descoberto. “O professor olhou para as minhas feições e me indicou para estudar trombone. Era exatamente o que eu queria tocar.”

Logo o talento tomou corpo, junto com o menino, que ficou adulto mais depressa depois de perder a avó na adolescência. E outra vez a música lhe tira da guarda da solidão: “Eu não tinha nada que me prendesse no Rio. Quando fui convidado para tocar na banda da Orquestra da PMDF, não hesitei, peguei o ônibus naquela semana. Cheguei aqui no dia 23 de dezembro de 1972. Vim sozinho, com coragem e com Deus me abençoando.” Depois, veio o convite para ser membro-fundador da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro (OSTNCS).

terça-feira, outubro 31

Ele me faz rir

Mas ele é horrível, o que você vê nele?, pergunta a amiga, incrédula.

Ele me faz rir. Eu fico olhando para ele e tenho só vontade de rir.

E elas falavam de um peixe, viu?

Veja o peixe telescópio aqui e o outro primo dele aqui

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Dados sobre eles:

Nome Científico: Carassius auratus
Reino: Animalia
Phylum: Chordata
Classe: Actinopterygii
Ordem: Cypriniformes
Família: Cyprinidae

Carassius auratus (Linnaeus, 1758) auratus.

Nome comum: peixinho-dourado

Descrição morfofisiológica:
O Carassius auratus é um peixe de água doce que tolera pH entre 6 e 8 e temperaturas entre 0 e 41° C. Sua coloração alaranjada é muito caracteristica. Chega a medir no máximo 59 cm de comprimento, podendo pesar no máximo de 3 kg. Sua cabeça é larga e triangular, e não apresenta escamas. O espaço entre os olhos é largo. Não apresenta barbilhos na mandíbula superior. Apresenta uma longa nadadeira dorsal com 15-21 raios, e uma espinha dura e serrilhada que tem origem nas nadadeiras dorsal e anal. A linha lateral é completa, apresentando entre 25 e 31 escamas em série lateral. Os machos são mais finos que as fêmeas. Sua população pode dobrar após 1,4 - 4,4 anos.


Reprodução:
Sexuada

Dieta:
Carnívoro (Uia!)
Detritívoro
Herbívoro

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Viram só, meu blog também é cultura :)

Peixiiinho...

Ela ganhou um peixinho novo.
Que alegria. Daqueles douradinhos.
Juntou com os outros amiguiulos aquáticos no aquário novo também.

Passou uma semana.
A água estava verde.
E a bela menina de cinco anos resolveu que tinha de limpar.

Apanhou o fofo (sabonete) e começou a esfregar com a esponja.
Limpou tudo direitinho, a água já estava bem melhor.
Voltou a ser translúcida.

Ela esqueceu de tirar os peixinhos de lá.

Os peixinhos nem curtiram o aquário limpo, só deu tempo de fazerem bolinhas de sabão.

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A mesma menina (ela não é a Fenícia) ganhou um pintinho.
Foi mostrar para a amiguinha:
Pegou-o com as duas mãos: olha como ele é fofinh--creck!
E o pintinho ganhou seu último abracinho.

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segunda-feira, outubro 30

Sonho de um filho

Eu, há uns anos, eu tive não uma vontade, mas uma idéia de um filho.

Eu me lembro que estava no Recife na praia de Boa Viagem. Acordei umas 11 horas com um tema de uma música na cabeça.

Fiquei ali no violão um tempo, daí desenvolvi o tema e fui procurar o Vinícius. A gente estava no mesmo hotel, fomos até lá para tocar num show.

Mostrei para ele: Vina escuta aqui um tema que eu estava pensando.
Quando ele ouviu, falou OBA! e me disse: vai para a praia, que quando você voltar talvez tenha uma idéia já pronta para te mostrar.

Aí eu fui, lá para umas quatro da tarde, voltei. Encontrei Vinícius em prantos, já com boa parte da letra pronta. E eu cantarolei assim, à primeira vista, e vi que da metade em diante ele tinha feito a música muito mais para ele...

[Quem contou essa foi Toquinho durante um show ao vivo no Rio -- no qual eu não estava na platéia porque tinha uns dois anos de idade]

Para quem não conhece a canção (linda na voz e violão dele), eis a letra:

É comum a gente sonhar, eu sei,
Quando vem o entardecer;
Pois, eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer.
Vejo um berço e nele eu me debruçar
com um pranto a mim correr
e assim chorando acalentar
o filho que eu quero ter.

Dorme, meu pequenininho
Dorme, que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem.

De repente eu o vejo se transformar
No menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim.
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim.

Dorme, menino levado
Dorme, que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem.

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu,
[Sentir-lhe] a barba me roçar
No derradeiro beijo seu.
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus,
[Ouvir-lhe] a voz a me embalar
Num acalanto de adeus.

Dorme, meu pai sem cuidado
Dorme, que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter.

sexta-feira, outubro 27

Vou de van - parte I

Não sei se há outra palavra que atraia historinhas como VAN em Bsb. Faça o teste entre seus colegas, conte algo com a palavra van e veja o resultado.
Cuidado, depois não me culpe:
Rende - no mínimo - meia hora de histórias tétricas e boas risadas...

Publico aqui uma coletânea, seja sobre a etiqueta ao andar de van, seja sobre episódios factuais, todas elas acontecem nesta cidade linda.
Se você tiver mais historinhas, é só acrescentar ;)
Entre e sente-se à vontade por aqui.

DÁ-TRÊ-SU até o final,
DÁ-TRÊ-SU até o final, DÁ-TRÊ-SU até o finaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaal
Depois de Rodoviária-PátioBrasil, é o grito mais comum pelos vanboys- como vou chamar aqui os cobradores/abridores de porta/ anunciadores do percurso/ vigias anti-policiais e co-pilotos das vans. Não sei porque sempre se fala mais de uma vez, e muitas vezes bem bem rapidinho. Se o vanboy estiver ainda com voz ou animado, ele completa com a outra frase consagrada: lugar para sentaaar!

Uma vez, um vanboy falou tão mal W3 Sul que um velhinho perguntou:
O senhor vai para o P Sul?
E eu respondi: Não, ele quis dizer dábliu-três-sul mesmo.

Outra vez, estava a van lotada (ok, isso não é novidade) e o vanboy foi chamar: Rodoviária-W3Sul. E se empolgou, completou, não sei se por costume ou se porque ele viu que um monte de gente estava para descer no próximo ponto: tá vazia!
Todo o pessoal que estava dentro da van "vazia" caiu na gargalhada.

ARROCHA!
Mais uma palavra exclusiva de comunicação entre motorista e vanboys.
Significa= pode correr como um louco pois o ônibus tá perto ou pode fazer essa ultrapassagem para sair do ponto ou seguuuura peão.
Tenho medo do arrocha (acho que seria uma boa comunidade no Orkut, será que já existe?). Toda vez que eu escuto arrocha! tenho um frio na barriga, uma vontade de pular a janela misturada com uma reprimida vontade de rir.

Próximadesce
Na falta de cordinha, vai o berro.
Se você quiser descer, grite próximadesce e pronto.
O vanboy vai repetir o seu grito imediatamente depois, só para garantir que o motorista ouviu.


Eu não consigo falar próximadesce. Sou burguesa fresca, falo: moço, vou descer na próxima, tá? E o vanboy faz que sim com a cabeça e repete próximadesce. E toda vez eu penso: que imbecil eu sou, não adianta nada tentar falar frases completas.

Madame vai na frente
Incrível, recentemente descobri que a prática também é universal.
A etiqueta das vans diz que se a mulher estiver com cara-de-madame-- ou seja, escovinha, saia, bolsa e um saltinho-- ela vai na frente.

Muitas vezes o próprio vanboy te convida no ponto: moça, vai na frente tem lugar. Eu não tenho dúvida: melhor que ir abarrotada nos bancos de trás.

Seguuura!
Outro vocábulo de comunicação entre vanboy e motorista.
É usado quando alguém vem lá de longe e faz um gesto que quer entrar.
Em geral, o seguura acontece porque a van está de partida da parada de ônibus.

Então, é sempre acompanhada daquela arrastada de porta e da ginástica antiinércia executada pelo vanboy, que enquanto grita seguuura, vai abrindo a porta e se segurando para não cair para fora da van por causa da freiada.

Dá medo, mas o arrocha! é bem pior.

(Ainda não acabou, depois eu conto mais... as piores estão por vir! )

quinta-feira, outubro 26

Para ver essa banda passar

Era aniversário de uma pessoa muito querida. Sabe o dia que já começa com um ar especial? Na noite anterior à véspera deste dia haviam saído para comemorar, sem ser para comemorar, para conversar mesmo. Ela ainda tem esse papo -- e o capuccino delicioso -- na memória até hoje, mesmo alguns meses depois.

Talvez pelo assunto, pela pessoa, pelo dia, ela tivesse acordado num dia diferente. Talvez pelo cansaço do final do ano a menina, que queria saber tirar fotos com o piscar, estivesse ainda mais cansada.

Sem mais introduções, o encontro que causou esta historinha:
Ela chegou logo de manhã ao teatro. A banda ainda ensaiava. Crianças uniformizadas andavam para lá e para cá com seus instrumentos - seus troféus! - para lá e para cá. Para muitas, a primeira vez na "terra do presidente". Todas saíram, com a música em pastas pretas de folhas de plástico, de um bairro da cidadezinha de Tatuí (140km de SP).

O maestro, o pai-mestre, a esperava para a entrevista.
Ela simplesmente não sabia o que a esperava.

Mais que outra história bonita. Bonita. Com maiúscula.

Um dia, esse moço se levantou e decidiu que os quatro filhos que tinha em casa davam pouco trabalho, decidiu que as aulas no conservatório de música davam pouco trabalho. E foi procurar algo que desse mais trabalho.

Escolheu, com ajuda e aprovação da esposa, uma escola pública de um bairro carente da cidade de Tatuí. Passaram nas salas de aula, chamaram atenção para quem não gostaria de tocar um instrumento. Reuniram "sete ou oito molequinhos" e começaram.

Ele é trompetista e ela percussionista. Era 2002.

Aos poucos, foram os dois comprando mais instrumentos: trompas, trompetes, flautas doces, bumbos, pratos, trombones...

Mais e mais alunos a cada apresentação se juntavam. Quem quisesse participar tinha de garantir nota boa e bom comportamento na escola.

A banda começou a se apresentar em praça pública. Foi chamada para tocar em festas cíveis. Virou ícone da cidade. Não cabia mais no galpão, começou a ensaiar na rua - onde ensaiam até hoje. Veio a capoeira, veio a dança, tarol, saxofone... Chegaram os uniformes. Tudo pago com suor e sacolinha, a ritmo de knock-knock nas portas.

Passaram-se apenas quatro anos.
Agora são mais de 45 integrantes, dos 7 aos 14 anos.
E Mudaram a cultura de uma cidade. Viajaram para São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília.
Hoje, a banda Lira Tatuí é bi-campeã nacional, bi-campeã sul-americana e foi eleita a 10ª melhor banda pela associação mundial de bandas.

...

Ela soube de tudo isso e mais, da boca do generoso homem que se gastou para fazer o projeto caminhar. Viu esse homem fraquejar ao falar das necessidades e dos sofrimentos, da fome que passam algumas das crianças, da miséria que ele sim conhecia bem melhor que ela.

No final da conversa, outras atividades, ela se dispersou. Toca o telefone, otros assuntos mil a resolver, pautas burocráticas que lhe empedrejam o coração.

Eis que entra, no final da manhã, a banda no palco. Sutil, com meninas doces, olhares de esperança, tocando trombones. Devagarinho, vão entrando os outros, dançando, tocando. O ritmo vai esquentando, a platéia fica quase incrédula.

Então, ela estremece. Não consegue mais fazer as fotos. E não se reconhece (!) nesta reação inesperada. Senta no chão, espera passar, a mão vai parar de tremer. E pára.

Mas dos olhos lhe caem lágrimas.
No pensamento, a preocupação: calma, preciso das fotos!

Asa Branca. A Banda. Uma atrás da outra, as músicas lhe falavam mais.
Ela olha aquelas crianças outra vez, os trechos da entrevistas pilotam seus pensamentos.
Ela chora feito menininha, emocionada de uma forma profunda.

A música ainda vai salvar nosso Brasil, conclui silenciosamente.
Essa arte - a beleza - nos salva.

E quem foi que falou que pobres essas crianças são?
São mais ricas que eu, pensou.

...

Ela sabia que o dia era especial. Se pudesse amarrar toda essa esperança e dar de presente àquela pessoa tão querida, tão amiga, tão especial... Ah, seria o presente ideal!

(Mas nem a foto faria isso possível, ah, disso ela bem sabia.)


quinta-feira, outubro 19

Salvem os cachorros!

[Outra historinha cross-culture...]

Ela não se conformava. Como os chineses tinham o sangue frio de comer cachorro? Sim, para quem (como eu) não sabia, carne canina é uma especiaria na China. Há vários tipos de cachorros, para churrasquinhos, assados, grelhados em diferentes ocasiões.

Naquele dia, ela acordou decidida. Não se pode salvar todos, mas pelo menos um. Pelo menos um. Lá foi ela, na feira, chegou contente pela primeira vez.

Diante dos bichinhos barulhentos, de pelo cinza claro, curto e bem pequeninos, ela parou um instante. Quem seria o felizardo? Quem teria sua salvação comprada a dólares?

Difícil escolha. Então, quase desistia, quando um fortinho olhava para ela. Mais gorduchinho - talvez com pouca auto-estima -- olha para ela quase que conscientemente. The ONE.

A música celestial começa a tocar no coração dela, que bate mais forte ao se aproximar da vendedora, uma senhora com rugas de sol, chapéu na cabeça.

E a sinfonia durou uns 15 segundos.

Ela pediu: quero aquele dali.

A moça de chapéu apontou: este?

Ao mesmo tempo que ela fazia que sim com a cabeça, com aspecto redentor, a moça num gesto rápido, pegou o cachorrinho, torceu o pescoço de uma vez e crack!

Prontinho, aqui está. Ótima escolha, vai ficar delicioso.

Ela olhou incrédula, estática. Mas não teve coragem de pegar o cão. Virou as costas e saiu.



[Outra contada por Fatinha, em terceira pessoa.]

quarta-feira, outubro 18

Formaturas; sim, nos trajes de preto com faixas coloridas

Me formei.
E no período de formatura, sempre surgem muitas outras, várias, que só facilitam que as maravilhosas frases prontas do tipo "completamos mais uma fase da vida" venham à tona em chorus.

Bom, a historinha que quebra o regime de meses do blog não é a da boca no trombone, mas vamos lá.

Estava na colação de grau de uma amiga. Fui sozinha, naquele esquema: chegando atrasada para ouvir menos chatices iguais de sempre antes do momento de gritar louca e triunfamente o nome da felizarda que me levara até ali.

Sou da comunidade Eu Ouço a Conversa Alheia do Orkut. Infelizmente é um hábito que não tiro... E quando estou só, a conversa dos outros, livre de direitos autorais, vira minha rapidamente.

Ouço os gritos daquela que parece ser a pop star da noite:

CAMILAAAAAA --- UOU!


Já repararam que sempre tem uma sirigaitinha que leva a maior torcida*?
Torcida* de formatura = pessoas vestidas com camisetas no nome dela, balões têm a face dela estampada, pompons, muitos pompons coloridos nas mãos da tia, da vó, da irmãzinha(...), papéis prateados recortadinhos jorram no ar quando o nome dela é pronunciado, fora os apitos, cornetas matracas e tudo o que possa fazer barulho, claro.

Nem me dou o trabalho de olhar para trás, só lamento o lugar que escolhi, logo perto das cheerleaders da popstar. No meio da gritaria, ouço de repente uma voz, meio sem graça, comentar dubiamente:

Gente, acho que não é essa a Camila não.

Parece que a tecla MUTE foi ligada. Um silêncio mortal se instalou e todos rapidamente se sentaram. Eu quase me explodi por segurar o riso.

Depois veio a popstar Camila, a versão verdadeira. Detalhe: ela é loira. A outra, morena.

Muita emoção confunde, é a moral da historinha. Cuidado, não vá estourar os balões à toa.

segunda-feira, julho 3

Pout-porri bahiano: verdadeiro e sem preconceito

Salvador

Fui comprar um picolé numa vendinha dessas, tipo pequena lanchonete, perto da Igreja, da praça. Cheguei lá e vi, como se tivesse saído de uma caricatura, a figura que era o atendente.

Sentado dentro do balcão, com os pés por cima da bancada e cabeça abaixada, meio cochilando.

Eu pergunto: Ô moço, quanto custa o picolé?

A resposta demora alguns segundos, mas sai: ÉÉ tá escrito aí, tá não?

Eu digo: Não, moço, não tem nada aqui.

Ele nem pisca, nem move a cabeça, nem vê que tenho quase 2 metros de altura. E na demora habitual, retruca:

Ah, é um Real. E deixa o trocado ali em cima da caixa, sim?

***

Porto Seguro

Decidimos que estávamos com sede, mas de suco de maracujá. No menu, parecia a melhor opção de sucos. Pedimos para nós três.

Tudo bem que ninguém estava com pressa, mas depois de 35 minutos, a paciência foi perdendo a validade. A gente fingia que nem era tudo isso, conversávamos sobre o passeio, a noitada anterior e pronto.

Com 40 minutos chegaram os sucos - eram laranja-avermelhado (!). Foi só uma provar para as outras duas nem criarem coragem de tentar. Estava com gosto salgado, um pouco mais amargo que o normal. E tinha sido adoçado(!).

Delicadamente, perguntamos ao garçom se tinha trazido os sucos certos. Ele nem disfarçou. Percebeu na hora o ocorrido e recolheu os copos. Dez minutos depois, volta com a bandeja carregada e nos diz:

As moças que desculpem. Da próxima vez a gente vai lavar o liquidificador.

****

Ilhéus

Mais um suco refrescante de laranja, moça.

Ei, mas eu pedi sem açúcar.

Ah bom, é só não mexê com a colher.



sábado, junho 24

Engenheiros...

Escola Politécnica de São Paulo. Aula de Teoria das Estruturas.

Entra, atrasado, Rogérinho às 8h15 da manhã num dia de setembro. Era a turma de 76.

O professor olha meio atravessado, com ar de piada e seriedade que lhe eram próprios e manda bala:

Aluno, em seu relógio não há corda?

E Rogerinho, com a irreverência e destreza de sempre, responde na lata:

Mestre, não há mola.

As gargalhadas chaquoalharam até os ombros do professor.

[mais uma contada pela Lenise...]

domingo, junho 18

Quero 3 a 0 hoje

Semana light

Pô, até que essa semana o trampo foi light.

Aé, Breno, porquê?

Faz uns três dias que eu não fotografo presunto. Tá bom.

[Diálogo com Breno Fontes, outro lambe-lambe do Correio Braziliense.]

sexta-feira, junho 16

Esta árvore tem estórias para contar!

As jornalistas por detrás das estórias...



Eu, Marina e Laís na bancada de Suplementos do Correio.

Futebol sem foto

Fui cobrir a final do campeonato goiano. Era o clássico Vila X Goiás.
Eu simplesmente o-d-e-i-o o Goiás. Mal podia esperar pelo jogo.
Saí mais cedo da redação para pegar um bom lugar.

Passou uns minutos do primeiro tempo e o Vila marcou um golaço. Pulei, gritei, me descontrolei tanto que ... quanto todo mundo sentou, pensei: Cacete, não fiz a foto!

Um calafrio passou pela minha espinha. Como ia chegar no jornal sem a foto?

Para a minha sorte -- ou meu azar -- o Vila perdeu por 2x1. E acabei fazendo as fotos dos gols do Goiás. Ninguém percebeu que não tinha a foto do gol do Vila.

Aquela foi por pouco.


[Essa quem contou foi o Edilson, fotógrafo do Correio Braziliense.]

quinta-feira, junho 8

21 Trombones e 1 novo amor

Já eram mais de nove da noite e o Flávio tocava o interfone. Vambora! O show começa daqui a 30 minutos. Show? Ãhn?

Não tinha planejado ir ao Clube do Choro. Flávio subiu e me disse que não sairia até que eu me arrumasse. Mas, Flávio, você tá solteiro agora, se eu for com você, ninguém vai te dar bola. Não adiantou. Ele insistia com todos os argumentos: você não pode perder o trombonista que vai tocar hoje, o cara é sensacional. Eu fui.

Ao entrar, meus olhos se cruzaram com os dele. De primeira. Uma vez de sopetão e depois várias consentidas. Quando ele começou a tocar - nossa! - adorei, não precisava mais disfarçar que olhava para ele.

No intervalo, ele se aproximou para cumprimentar o Flávio. E fomos apresentados. Minhas pernas já cambaleavam.

***

Não podia deixar passar mais de uma semana, senão a coisa perdia o encanto. Me admirei da artista plástica - tão branquinha e de sorriso maroto - gostar de jazz e música erudita daquele jeito.

Tinha que dar um jeito de nos vermos de novo, pensava. Como os discos em vinil já eram rarirade e ela tinha comentou que colecionava uns clássicos do jazz, aproveitei a deixa para nos encontrarmos.

Fui até a casa dela. E, claro, era parte da promessa, levei meus vinis favoritos: Chat Baker, Anturo Sandoval, JJ Johnson, Ivan Lins, Sérgio Mendes & Bossa Rio e os 21 Trombones de Urbie Green.

Ela tinha todos menos o último. Ainda bem, alguma novidade eu levei. Me surpreendi que tivesse gosto para música parecido com o meu. E completou: eu gosto de ouvir enquanto pinto os meus quadros.

Esse foi o golpe final. Não tinha mais volta, pensei. Aliás tinha sim: ela me pediu os 21 trombones emprestado e eu, depois, em troco, ganhei um novo amor.

[O casal que me contou essa historinha está junto até hoje, já se foram nove anos]

terça-feira, junho 6

Objeto apreendido

Eu não queria comprar aquilo. Era barulho demais para o meu gosto. Mas ela me insistiu que na Copa seria perfeito. Não resisti aos olhos de cachorrinho perdido da Carol. Comprei dela ali mesmo, no caminho do aeroporto, nem deu tempo de colocar na mala.

Mal sabia eu da fria que me metia.
Cheguei em Congonhas e, depois de fazer o check-in, fui barrada na fila do embarque.

Senhora, este objeto é inflamável. Não pode entrar no avião. Vai ter de ser apreendido. Me avisa a moça de voz programada. Nem insisto, não vale a pena. A buzina custou apenas R$ 10 e eu nem queria levar isso para Brasília mesmo, comentei com minha colega que me acompanhava.

A moça de voz programada se compadeceu. Deve ser espírito de Copa. Ela me aconselha a despachar no check-in, junto com as malas.

Lá vou eu correndo. Cheguei no balcão, outra voz programada. Este objeto tem de ir num pacote. Preencha esta ficha por favor. Ok, só mais umas linhas e pronto.

Voltei para a fila de embarque e percebi que todo o avião estava só me esperando. Tudo por uma buzina. Minha amiga Cláudia dá risada quando me vê entrar.

Em Brasília, fico sozinha com as malas rodando. E rio de mim mesma. Se alguém sabe que estou a esperar uma buzina...

Nada. Desisti. Quer dizer, quase.
Estou caminhando para a saída do saguão quando um rapaz me chama: A senhora está esperando um objeto apreendido?

É, eu acho que sim.

Então, venha comigo. Chegando em uma salinha, sou informada de que o objeto terá de ser entregue no meu endereço. Mais uma ficha é preenchida.

Ao sair de lá, sem a minha buzina e com mais de meia hora de espera diante da burocracia, ouço o guardinha cochichar: então, descobriu quem era dono da arma? O outro ri: era aquela moça ali e... não era uma arma, e sim, uma buzina.

Depois de uma semana: a buzina voltou para SP pois foi identificada como objeto apreendido. E me disseram que já estão providenciando (sic) para que ela chegue à minha residência.

Só quero ver.
Melhor, só quero ouvir o berro. E espero que seja antes do dia 13.

[Essa quem me contou foi Fernanda Gomes.]

segunda-feira, maio 15

Márcia e Roberto

Sabe essas pessoas que não gostam do nome? E o rejeitam tanto que só a carteira de identidade parece chamá-los com o nome verdadeiro? Chama-se Jandira e o apelido é Tica. A Eliete vira Lili. O Rosenval quer ser conhecido por Rogério. E daí vai...

A moça que trabalhava lá em casa era Ignácia até os onze anos de idade. Àquela altura, aos 21, ela só respondia por Márcia. Nada pareceu ser obstáculo a isso até que veio o Roberto. O namoro foi dando certo, dando certo até chegar o dia das alianças de noivado.

O drama começou na consciência da Márcia. Ele tinha que saber que o nome dela era outro. Vai ser amanhã, dona, prometo. Era o que me afirmava toda vez que eu perguntava se o Roberto já sabia da Ignácia. Mas nada.

Passaram-se quatro meses desde aquele setembro. Roberto queria abrir uma conta-poupança para fazer o pé de meia. E quando ele sugeriu que fosse conjunta, ela preveu o momento decisivo. Ele vai saber, ele vai pedir meus documentos.

Um calafrio estranho, sem tremedeiras subiu na espinha de Márcia. Ela percebeu que era agora ou nunca. Ai, bem, temos de fazer isso? Abre a conta só no teu nome, vai. Tentou se livrar. Ele estranhou muito. E insistiu.

Outro tremilique interno. Agora, o estômago começou a ser atacado também. Borboletas pareciam voar lá por dentro e ela não conseguia mas esconder o nervoso.

O que te acontece, Márcia? Ele perguntou.

Ela disse na lata: nada de Márcia. Eu tenho outro nome. Nunca te falei. É que tenho vergonha dele, sabe?

Pronto. O furo foi aberto, a bolha explodiu e ela se sentia mais leve.

Ele pasmo, embranqueceu.
Eu também. Mas eu também tenho outro nome.

Sério? Ela falou baixinho, como quem ainda quer acreditar se ouviu bem.
Qual é, Roberto?

Mas me fala o seu primeiro, então.

Ignácia. Minha mãe queria que eu me chamasse Ignácia.

Ele não conseguiu controlar a gargalhada nervosa. E ela, me contou, foi ficando com uma mistura de raiva e curiosidade.

Pára de rir. Pára de rir, Roberto, e me fala o seu logo.

Desculpa, Ignácia, é que quase não dá para acreditar.

Meu nome é Ignácio.

sexta-feira, maio 12

Uma caneta perdida

Ela é pianista. Sevillana de berço.
Já morou na Suíça, Canadá, França...
Deu aula de piano por todas as cidades que passou ao acompanhar a vida de diplomata do marido.
No Brasil, se encanta com a rapidez do desenvolvimento musical dos talentos de seus alunos.

Depois da entrevista, saio em outro planeta.
Ela sim, deve ter muitas historinhas para contar e já conto aqui outras dela.

Deixo, no banco amarelo, minha caneta roxa.
Ela me devolve com um sorriso contemplativo: Você deixou sua caneta.
Eu respondo: Sempre deixo canetas por aí.
Ela prevê: Já vejo que és artista, artistas sempre perdem as canetas, os dias da semana...

Eu rio comigo mesma. Sou distraída, isso sim.

segunda-feira, maio 8

Pechincha na calculadora

Me disseram que não teria outro lugar que a feira para comprar aquele HD portátil de 50 giga de memória em Taiwan. Eu só falava inglês, além do português.

Naquela quarta chuvosa o camarada chinês que me fazia as vezes de intéprete não poderia ir comigo. E era minha última oportunidade. Peguei o táxi com o endereço anotado em desenhos para mostrar ao motorista.

Cheguei a feira com minha capa de chuva amarela muito discreta (!) e uma única recomendação na cabeça: olha não aceite o primeiro número que o vendedor te apresentar na calculadora.

Sim, você não leu errado. Naquele comércio paralelo não havia etiquetas com preços. Tudo era acordado na hora, cara a cara. Com os estrangeiros, a técnica é uma mistra de imagem e ação. Você chega, aponta teu produto e depois faz o gesto internacional de dindin com os dedos. O vendedor pega a calculadora e escreve o preço em dólares. Você pega a calculadora e aponta o seu preço. E o duelo começa. Até que ele balança a cabeça num acordo.

E eu, que sempre detestei essa de pechinchar valores, já fui me preparando para não dar uma de turista otário.

Quando pedi -- não me pergunte como -- por um HD portátil que era lançamento na época, com mais gigas de memória, o rapaz muito contente, o que me deixou cabreiro, foi buscar pois não estava nas prateleiras da frente da lojica. Quando voltou, me deu a calculadora.

Sem preço. E apontou para mim num gesto: e você, quanto está disposto pagar?

Eu gelei. Não tinha noção. E se eu pagasse muito? E se meu valor fosse exageradamente baixo e ele desconfiasse que eu não tinha muito claro o quanto aquilo valia, já que se tratava de um lançamento?

Insisti para que ele me desse um valor. Ele riu marotamente e fez que não.
Decidi não arriscar e comprei outro, de menos memória a um preço muito bom. Não me arrependo. Já sou muito azarado, não queria dar mais chance a acaso.

[essa quem contou foi a Lenise, dona das melhores estórias, mas aconteceu com um colega dela.]

sexta-feira, maio 5

Sobe?

Segundo andar. Sobe.

-- Ai coitada dessa moça, não descansa nem no final de semana. Já são mais de oito da noite e ela ainda está aqui.

Comento eu, a jornalista mais sem noção dessa história. No elevador uma menininha linda e super delicada já vem a meu socorro.

-- Não tia. Essa voz é gravada.

E eu não sei mentir nem disfarcei: ah, que bom. E dei risada.

[essa quem contou foi a Luciana.]

quarta-feira, maio 3

Baratas voadoras comem pizzas

O cenário é o de uma pizzaria abarrotada de gente. Há grupos para todos os lados. Gente que veio comemorar o aniversário, amigos confraternizando amigo oculto... Ninguém vem sozinho a uma pizzaria. Quer dizer, nem a dois ou a três.

Naquela bagunça de vozes altas cantando Parabéns pra você, molequinhos vendendo flores e balinhas estivemos lá, todo o time de futebol de salão e mais algumas respectivas namoradas. E a nossa mesa loooonga, daquelas brancas de plástico, ficou do lado de fora da extinta Piano Pizza.

Passaram-se algumas horas -- e muitas pizzas -- até as baratas começarem a cair sem pára-quedas. Sério. Houve uma enxurrada de baratas na nossa mesa. Elas pareciam vir do toldo de plástico da pizzaria, numa habilidade genuína de quem pratica bungee-jump.

Um certo pavor nos desconcertou. O susto foi tão grande que ninguém gritou. Afastamos as mesas rapidamente. Daí a cena mais engraçada: os garçons começaram a correr atrás das baratas desesperadamente.

Quando tudo voltou ao quase-normal e algumas pessoas resolveram continuar a comer, já que os pratos não tinham sido atingidos. Mas eu percebi que começamos a comer com mais pressa, como quem pensa em sair logo dali.

Então veio a voadora. Ela caiu do toldo e num vôo rasante, passou por cima das pizzas, cruzou a pista e foi parar direto na cozinha do restaurante, muita gente viu e foi um alvoroço.

-- Caramba! Olha lá olha lá... e todas as cabeças olhando as baratinhas.

Não me esqueço desta cena. Foi incrível.

Moral da história: jamais peça pizza de rúcula com tomate seco porque o aspecto murchinho e brilhoso do tomate lembra uma baratinha. Que local perfeito para camuflagem!

[quem me contou foi o Bernardo.]

sábado, abril 8

Comentários cosmopolitas

Estávamos procurando uma livraria famosa de downtonw Amsterdan. Minhas amigas, uma húngara e outra polonesa, me acompanhavam quando resolvemos parar numa cafeteria para... ir ao banheiro. Típica necessidade de mais outro dia chuvoso de inverno da Holanda.

Esperei as duas do lado de fora e um senhor que tomava conta dos toilettes me abordou, com um português de portugal na lata -- que cara lusitana tenho eu?? -- e me fez um comentário daqueles que se guardam para o resto da vida.

-- Mas que belos esses teus "pêlos" que trazes aqui debaixo de seu nariz.

[pasmem]

Isso mesmo. Quase não acreditei no comentário e caí na gargalhada.

Saimos de lá e já na livraria comentei com as polonesa e com a húngara o acontecido, não podia acreditar até então. Mas a surpresa foi maior.

A reação das minhas amigas foi de pânico, de total desconforto. "I can't believe!!"
A vergonha delas foi maior que a minha! Elas mal podiam me olhar depois e não acreditavam no português e acreditavam menos ainda na minha reação, de dar gargalhadas e ficar de boa.

E ainda completaram: E você nem tem nada aí!!

No dia seguinte, corri para comprar uma cera quente. Mesmo com nada, resolvi tirar o nada que trouxe o 'elogio' do portuga. Just in case...

Na loja, comentei o incidente com a inglesa que me atendeu. A reação dela também me surpreendeu. Educada, virou-se e disse: Vai ver que na terra dele isso é sinal de sedução.

Ri mais ainda depois. As diferenças culturais são mesmo motivo de piadas.

[Essa quem contou foi a Fatinha]

sábado, abril 1

Casamento da evangélica amiga minha

Pastor fala demais. Vamos chegar mais tarde na igreja?
Todo mundo da turma de arquitetura topou, claro.

20h30 chegamos e foi o tempo certinho de ver a noiva saindo da igreja, acompanhada do ex-noivo-que-acabou-de-virar-marido.

Me escondi no meio da multidão. Primeira surpresa dentro da minha visão estereotipada: os crentes são pontuais sim.

Ok, sem problemas, o resto da galera - éramos doze mosqueiteiros - nem achou ruim o nosso próprio atraso combinado. Sigamos para festa.

Sem música. Isso mesmo. Não tem música rolando. Choque. Como é que esse povo se diverte?
Continuamos na animação habitual de sempre: piadinhas, conversas em voz alta, risadas aqui e acolá. Não demorou dois minutos para chegarem os olhares reprovadores.

Chega o garçom. Claro que só tem refrigerante.
O mais cara-de-pau ainda pergunta: camarada, você não trouxe uma pinguinha por aí, escondidinha não? O garçom respondeu em meio tom de sorriso educado e seriedade: não pode bebida alcóolica, senhor.

O ambiente era agradável e bem familiar. Até chegar a hora de jogar o buquê. Inacreditavelmente nenhuma das amigas da minha amiga se animou a levantar para esperar as flores voarem e se estapear antes de tentar pegá-las. Será que as evangélicas não querem casar? Me perguntei, de novo, na minha ignorância.

E lá vem ela, com vestido branco, rendado e comportado. Chega na nossa mesa. E de repente todo mundo pára de falar. Pronto, pensei agora ela vai pedir que saiamos da festa.

Meninas, vou jogar o buquê. Diante das nossas caras de tacho, ela insiste: vocês não vão me deixar (com ele) na mão, né?

E ela sai discretamente. Eu não vou. Não quero pegar buquê nenhum. Só faltava essa. As outras nem se abalam de comentar. Buquê o quê?

O frison começa... Vem logo galera, eu vou jogar, hein? Fotógrafo posicionado e nenhuma garota, sim, nenhuma estava lá de pé. Percebi que erámos poucas as solteiras! Me senti rapidamente encalhada. Nossa, que frio na barriga.

Veio a consideração de amiga. Ela não pode ficar ali no meio do salão parada esperando, coitada. Com essa desculpa, me levantei. Algumas vieram comigo, num movimento como uma metralhada de misericórdia. Amigas são para essas coisas, discursei. Combinei com as da minha mesa: a gente fica no fundinho...

Na hora H, todas se afastaram rapidamente. Fiquei quase isolada na frente do "batalhão" de 12 ou 13 garotas (algumas nem tão garotinhas assim). E o buquê, claro, atingiu a minha pessoa. Se fosse bola, juro, matava no peito e repassava.

E para completar o mico da noite... Fui devolver o 'presente' à ex-noiva. Não se faz isso, depois descobri. Mas eu é que não ia levar para casa o buquê que ela entrou na igreja toda emocionada (sim, falei da entrada dela como se estivesse presente lá na hora marcada). Eu disse isso para ela e até que colou. Negociei: eu levo o arranjo da mesa no lugar do buquê, pode?

Ela não ia me dizer que não.

[Essa quem me contou foi a Ludmila.]

As roupas tem história

Foi assim que começou o dia: joguei a frase ao passar de sopetão pelo rapaz: ei, legal sua camiseta de borboletas. A resposta foi uma careta.

Mas, você não gosta? Arrisquei.
Ele não teve dúvidas: a namorada que me deu, daí tem que usar, né?

Logo em seguida, outra roupa personagem. Lá vem o vestidinho de bolinhas da conquista!

Como assim? Ela me pergunta.

Ué, já não se lembra que você o usava quando encontrou seu atual namorado aquele dia que vocês se conheceram?

Mais uma vez: é só elogiar o modelito que a pessoa te conta uma historinha, eu garanto.

Mas de onde você tirou esse sapato verde?

Comprei num bazar, foi só R$ 20. Até hoje não acredito. Toda vez que eu uso alguma coisa diferente acontece.

Sério? E o que foi que rolou hoje?

Tropecei nele, acredita? Quase morri de vergonha no meio da faculdade. Mas vamos sair amanhã para tomar um café.

...

Roupas e pessoas. São marcos e histórias.



[essa coletânea foi adaptada, mas todas aconteceram no mesmo dia]