segunda-feira, dezembro 3

Vizinho

Ela acordava todos os dias com um barulho fraco. Dois timbres repetitidos e um batido oco. Era o despertador dele, longe. Sabia que era hora e nem nos dias de preguiça ficava na cama. Semi-inconcientemente, lembrava dele e pulava das cobertas.

Sentava para tomar o café sem trilha sonora. Sua cafeteira preta sempre fez eco da dele. Mas a dela era mais rápida. Ou ela tomava menos café que ele. Se bem que ela não ia para o chuveiro antes do desjejum.

Saía depois que a porta dele batia. Não queria encontrá-lo. Mas ele sabia dessa artimanha. Esperava na escada ou perto do elevador ou na entrada do prédio. Para ela, depois do bom-dia, dizia o que tinha esquecido em casa e que o fez voltar e encontrá-la. Ela se ria. Sabia, sabia, sim, o que ele não tinha dito.

O vizinho de Gabriela era modesto. Mentira, era tímido. De ficar vermelho ao dar bom-dia. Mas não perdia a compostura se queria falar com ela. Tímido, mas não era bobo.

Naquela manhã escura - ela acendeu a luz do teto e não só o abajur, como de costume - ela não se encontrou com ele. Será que pela primeira vez em quatro meses ele lembrou de carregar tudo que precisava? Será que ele comprou mesmo uma bolsa nova que coubesse tudo, como ela cansou de sugerir?

As perguntas foram despencando na cabeça dela, com quase igual velocidade e descontrole como os pingões de chuva que caíam em todo o Rio naquele dia. Mas uma só fez o trovão. Ela se tremeu por não ter dificuldade em responder: ei, por que me importo tanto com este detalhe? ei, por que continuo a pensar nele?

No dia seguinte, nada.
Duas semanas, nada.
Mas Gabriela tinha tudo. Por dentro, tudo lá.

Boba, eu, pensava ela. Como me escapou o coração assim?

E ele volta? Férias? Mudança? Doença? Ela estava cansada de pensar. Cansada de perguntar-se. Se ela, a vizinha que sabia que horas a máquina de café dele funcionava, não respondia, quem saberia dizer?

No décimo-sétimo dia depois daquela chuva, foi dormir sem, outra vez, barulhos. Agora, o que incomodava era não precisar aumentar o volume do som para ouvir a bossa nova dela e não o tristonho ... (como é mesmo o nome do cantor com sotaque de Illinois que ele sempre ouvia? Ela não lembrava) dele.

Toca o telefone: Gabriela, aqui é Maurício. Você não sabe da maior. Saí para uma trilha e deixei a chave do apartamento debaixo do teu tapete. Queria pedir para você regar minhas plantas, de vez em quando, sabe como é... Mas eu esqueci de te avisar.

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