sábado, junho 19

3 filmes e a desculpa, por favor

Ela estacionou longe o carro. Andou devagar. Era um passo de consolo e de força. De quem quer dar tempo ao pensamento, ainda que o tema não tenha variado ultimamente como ela queria. Chegou na locadora para preencher a sexta-feira. Quem sabe, talvez também, o sábado.

E com o olhar pesado, voltou-se para as prateleiras. Só que antes o olhar lhe furtou uma imagem atraente. Passeou pelo corte da calça, cor da camisa, punhos dobrados, mãos expressivas e chegou no olhar, esse o ganhador do atraente adjetivo. Bem aqui na minha locadora?

Rápido, disfarça, se concentra nos filmes e diretores. Sempre me esqueço qual quero ver, e a lista fica em casa. Pensa alto. O rapaz, claro, em pé, ao lado dela, que também usa a dúvida para despistar, responde e não é sempre assim?

E ninguém reclamou quando a atendente avisa que ao alugar 3 filmes, você pode levar mais um, de graça. Mais tempo, mais ensaio, outro papo.

Ela sai de lá sem número, só com o nome na cabeça. Se despede, e usa a recente informação roubada. O rapaz, pressentindo, assume o sorriso sem culpa e acena.

Ela sorri e pensa, não tenho mesmo jeito para discrição.

Dois dias depois, o bilhete. Bilhete? E se usa isso? Ainda bem que tem gente mais desencanada no mundo, pensa ela. E volta para o carro, com a deliciosa pergunta na segunda-feira: ligo hoje ou amanhã?

sexta-feira, junho 4

Sobre lentilhas, abóboras e amigas

Primeira vez na casa dela. Uma amiga em comum a colocou ao lado da vizinha de quadra. Ali estava, depois de um domingo de angústia. Na entrada, vê livros em comum na estante. Depois, chás da marca preferida. E na parede, fotos da época em que a desconhecida dançava ballet.

Em menos de 30 segundos, vários campos em comum. Sem falar na mesma profissão. Sorriu de canto. Se tem uma coisa que ela aprendeu era bater e ver uma boa amizade a se formar.

A nova amiga estava na cozinha. Cortava uma abóbora japonesa com esforço. E o vinho, em cima da mesa, estava aberto e pronto a ser servido. Ia ser uma conversa interessante.

[E o foi. O papo, queridos 8 leitores, vai ficar em off, desta vez. Quero hoje contar da abóbora.]

Depois de cortar, levou ao fogo, avisando às visitantes: vou fazer uma sopa de abóbora com lentilhas. Topam?

Chegou, depois de um tempo, a hora de experimentar. Após os pratos esvaziarem, a surpresa para a mestre-cuca veio.

Uma comenta: eu não gosto de abóbora.

E ela: sempre deixo lentilha de lado.

Mas, naquela noite, depois da carinhosa recepção, não tinha nem porque não tentar. E sorriram todas com a descoberta. Amizade não tem receita.

quarta-feira, junho 2

De volta

Faz tempo que minha palavra se enfeitiçou
Saía bonita só para visitar-te
Sentia-se fina para alegrar-te
Aparecia repentina exclusivamente para cortejar-te

Mas minha palavra, sábia
Percebeu, antes do coração, que precisava universalizar-se
Cansou da covardia de não se libertar

Minha palavra lhe deixou
Bem depois do seu adeus.

Meu coração insistiu, brigou, e a fez voltar
E ela, metida, até apareceu, querendo brilhar.

Mas, tão sabida, de louca se fez
No papel deixou o coração
se despedaçar
Na trapaça dela, veio a redenção dele
E não mais a obrigou a dançar
Logo, a palavra, minha, cansada, deixou o tempo revirar

Volta hoje, frondosa
Disposta a não ter o par.
E quem precisa de um único destinatário
para outra vez se publicar?

Minha palavra volta ao seu lar.