terça-feira, fevereiro 8

Em Congonhas, numa sexta, ao meio-dia

Bom dia, São Paulo.

Hoje amanheço entre suas pixações e seus cimentos. Caminho por suas ruas, esquinas conhecidas, cheias de lembranças. Vejo suas calçadas quadriculadas e sinto o frio tão comum dos seus dias cinzas. Mas é novembro.

E, neste mês, sem impor-me prazos, te aviso, o meu, com aquele teu filho, venceu. Escuto você, São Paulo, a me sussurrar na memória dias alegres e por aqui, outras horas de angústia e espera. Me parece tão próxima e distante. De novo, vamos fazendo as pazes e vem você, cidade, a querer me cicatrizar de suas próprias marcas.

Parto sem companhia. E em ti não ganhei nem um beijo. Mas não volto para casa com dúvidas ou certezas sem futuros. Há isso?

Você me sorri, me lembra que foi testemunha desse amor, que passeou comigo de volta à vida, que me proporcionou prazeres e descanso. Eu não sorrio. Concordo. E te digo, ah, São Paulo, mas você é tão fria. Me envolve, mas nunca acalenta; me amadurece, mas não me acompanha. E, principalmente me suga ao fazer promessas vazias.

Ao contrário, te surpreendo pois ando por aqui agradecida. Pisei em ti e não ouvi a voz do seu filho que partiu. Não pude e não quis. Naquele bairro não entrei. Te conto isso não cheia de orgulho, mas suave de não ter mais essa angústia.

Te conto, São Paulo, que aqui não está mais a fonte da minha alegria ou também de uma ilusão. Você me acena e concorda. Faz tempo que acabou e agora sabe, fui eu mesma quem acordou.

Volto para casa sem lembranças tuas. E quero, por lá, descobrir-me mais distante de você. Sem deixar por aqui o coração partido. E quanto alívio ao ir-me embora sem querer ficar!

Não vive mais você, São Paulo, comigo num sonho. Vive só, em seu canto na minha memória. Te vejo me olhar com saudade e carinho, mas sem reação. Se volto, se te procuro, não sabes mais. A novidade é que eu agora descobri: você não me espera. Nem eu.

Te estimo, São Paulo, mas não te desejo mais.

Adiós.

segunda-feira, fevereiro 7

Vá, eu quero ficar

Ouço sua voz que me parece descanso, mas ela me traz o passado. Ela me promete nada, apenas o instantâneo. E isto não é o suficiente mais. Ela antecipa e prepara o encontro com doses homeopáticas de carinho. Ralo, ainda que você o veja real.

Meu coração, que decidiu, por um tempo indeterminado, tirar greve de todo o resto do ser, é o único, em mim, que insiste em ver alguma veracidade em sua voz. Ela fala, apenas. E pouco. Mas é impalpável e distante.

Então, o tonto coração se prepara todo e arruma o resto do corpo a te receber. A voz traz o atraente abraço, o quente sorriso, a companhia confortável. E se alguma vez houve meio termo nisto, lhe traz de volta. Não é mentira. Nem verdade. E o prazer do encontro é cortado pela noção do efêmero. Minha razão e todo o consentimento me dizem simplesmente que estou sendo sugada.

Sabe quando você abastece? Você sai cheio, e eu fico vazia. O processo é simples assim. Nem você, conscientemente, me quer fazer este dano, mas nem eu quero me deixar inteira. Por que o estúpido coração resolveu se deslocar do sistema. E você aparece com o que tem e me carrega com o que trouxe: doença, consultas, provas, medos. Não me pergunta sobre os meus dilemas, segue em frente, descarrega e o meu coração se farta em acomodar tudo teu, lá dentro.

Mas eu volto. Não consigo depois andar de tão pesada. Me esforço, vem não a raiva, mas a tristeza. E eu que me meti nessa, agora vou tirar.

Nem me venha, como um vampiro, me sugar as energias, me pedir atenção, me querer perto como um amparo, descanso, companhia para depois nem me ver ao dar bom dia.

Não
quero algo etéreo, esfumaçado, sem nome ou com poucas palavras.
Não quero uma voz que não tem firmeza para a verdade.
Nem me venha me colocar no seu jogo, na sua viagem.
Enquanto você voa, eu vou ficar com os pés no chão.

quinta-feira, fevereiro 3

maquiagem e causalidade

Depois daquela faxina para deixar o armário habitável, onde forão descobertos perfumes não usados e guardados; esmaltes; estojos de sombras esquecidos; óculos de natação que tinha dado por perdido, a conclusão foi inevitável: por que deixei de sair de casa maquiada?

Adepta ao estilo "é bom estar sempre bem", sair com máscara nos olhos e batom nos lábios era, no mínimo, a sensação: pode vir, estou preparada. Ou quase (rs). Com a maquiagem esquecida ou guardada, veio a evidência do descaso.

Tudo isso para dizer que vale a pena.

Resolveu que acordaria com mais tempo de antecedência do horário habitual, para ter tempo para si. E acordar. E tomar um bom café, com direito a ler, quem sabe, uma ou duas páginas da Bíblia antes de sair de casa. E o fez. Na segunda-feira. Escolhe o vestido e sai, desta vez, depois de meses, preparada. Chega ao trabalho pontualmente, coisa rara. E ri para si mesma da liberdade que sentiu ao se arrumar só para se sentir melhor. Sem precisar de nada nem ninguém a mais como estímulo ao batom.

Chega a hora do almoço, encara o calor de 30 graus na cidade seca para encontrar a amiga. Depois de comprar a redinha para o cabelo (ela voltara ao ballet), vai tirar o carro da vaga. E espera o carro vermelho passar. Espera! Ei, espera! E não é o Márcio dirigindo????

Ui.
Ela nem se abala. (Ou quase). Olha diretamente para ele como quem quisesse dizer o de dentro. Sorri de lado e espera que ele a veja. O carro passa rápido, mas aquele olhar, ela sabe, não passa desapercebido. E... ele tira a mão do lado de fora do carro! Sem querer, mas querendo, sai moça da vaga, decide alterar o percurso, e pára, no sinal, bem ao lado do carro dele.

Espera. O sinal fecha. Ele abre a janela da direita.
Ela se vira, põe a mão na janela, encosta a cabeça, e escuta "como vai, moça bonita?"
Ela ri e pensa, tira a mão do cabelo, tira a mão do cabelo!, não precisa dar na cara. Responde e a conversa flui. E ele naquele carro vermelho. Não precisa sentar lá dentro para sentir o cheiro. Do outro lado, o rapaz se deleita. Tenta disfarçar, mas não cola.

Logo, a luz verde indica o fim do encontro improvável e inesperado.
Ele se despede, um beijo. E ela, louca, responde, vários, antes de engatar a primeira.

Viu só como o lápis, rímel e batom valem a pena?, ela ri e pensa, nem reclamarei na hora de tirar, de noite. A maquiagem. E algo mais.