Mudar essa parte da vida nunca deu muita graça. Andar descalça foi mais legal, mas o que é o pé no chão?
Sentados, aqui vamos procurar outro lugar. Quem esteve presente quer voltar. Quem não apareceu nem vai se arrepender. Eis que surge o juiz: quem corre? quem foge? quem fica estático?
Estamos nós três a relembrar o fato: biscoitos recheados. Sim, quem mandou ela comprar e esconder? Era o verdadeiro convite, o proibido torna-se mais importante do que aquilo que já se tem.
Eu lembro da hora em que chegaram as compras, vi a cor do pacote! Uma súbita alegria. POSSE. Mordida, crunch, crunch, crunch. Ai, mãenhê deixa abrir?
A negativa foi o momento em que começou o motim. Vamos! E a caçula sempre tem o receio. Mas isso não é certo, mamãe nem deixou. A nossa disposição é de soldados em guerra, essa pequena nem esteve no alcance. Juntamos, então a velha idéia. A gente espera e ataca!
Porque a aventura simples de criança sempre parece a MELHOR do mundo? E o biscoito de chocolate, que nem era o mais gostoso vira o alvo, ouro, diversão. Ainda quisera saber achar esta simplicidade em divertir-me, aventurar-me das coisas simples nesta vida que muda mas que continua criança.
Mas voltemos ao tribunal: ele tinha de deixar as cascas do biscoito e comer só recheio? Não sabia que não era para deixar rastros? Que raiva. Raiva, mais raiva. Só não era mais raiva dele porque tinha o medo do que ia sair da boca e das mãos do pai. Nem sabe executar o plano, e vai só como a culpa vai em mim, na mais velha!
E agora, tinha de responder o porquê. Como porquê? Biscoito é biscoito, ora bolas.
A audácia de contrariar a lei muda com o medo da retaliação. O que antes era certeza agora é questionado: e precisava exagerar tanto? E não é assim na vida de adulto? As certezas parecem depois tão furadas ou vazias... Como biscoito de recheado chocolate sem o recheio. E sem culpa da Parmalat.
Não cai a culpa no esquadrão de busca e operações especiais: como vocês encontraram o biscoito??
Procuramos taticamente, silenciosamente, com toda a perícia e silêncio possíveis. Missão de resgate: o que é bom não pode ficar escondido.
Os adultos perdem então a graça. Só vale o que já é convencional. Mas quem garante que esse é o certo? Quem? Agora o tribunal já cessa, e quem tem perguntas somos nós.
Castigo? Eu não quero castigo, prefiro umas bolachas.
Quem mandou falar? Agora voam as Havaianas!
Melhor opinar se e somente se é pedido e quanto antes andar com mais cautela. Mesmo que ainda seja mais legal andar descalça, ainda prefiro as havaianas no pé. E como soluciono: ser quadradinha sem querer ser certinha, ser audaz e prudente? Nem esta louca crônica responde?
A solução pode vir. Mas, antes, preciso de biscoito recheado.
sexta-feira, junho 3
quarta-feira, abril 13
Neto é filho com açúcar
Quero lembrar hoje uma daquelas últimas frases do próprio estilo Darcy de expressar o mundo: "Neto é filho com açúcar." (acho que por isso ela sempre foi gordinha - pelo menos desde que nasci!)
Minha vó nem era só minha, mas a gente [os netos] sempre gritava bem alto:
"a minha vó me de-eu" para ver quem reagia: só sua não ou então "vóóó, eu também queroo".
A verdade é que era. Minha vó era só minha. Todos tínhamos essa certeza. Não só porque ela nos remetia ao ideal esperado de uma avó: abraços, presentes fora de hora, o melhor arroz do mundo e a incrível ceia de Natal. Historinhas para contar, orações a ensinar, palpites prontos para dar. Não era por isso. A vovó era minha e de todos nós.
Cada um que a tinha perto de si via assim: parte sua.
Não que brigávamos por exclusividade. Vovó é que nos soube tornar únicos na vida dela. Parecia que seu coração queria aprender a pulsar no ritmo de cada um. Eu bem sei que ela gostava do meu ritmo coração-escola-de-samba, do coração-Chico da mamãe, do RitaLee da Érica.
Assim ela passou: uma MINHA para cada um: minha filha, irmã, mãe, vizinha, amiga, vó e bem (aí, sim, único caso que o gênero do possessivo muda: meu bem).
Eu digo minha porque o amor que tenho por ela ainda está aqui: vivo e único. Não consigo me ver como sou sem a intervenção dela. Quase tenho certeza que é assim para toda a família. Minha vó era referência, era essa pessoa que congregava todos os corações num só.
Nunca duvidamos disso, mas eu nunca tinha visto assim tão definido. E, agora, parece-me que faz todo o sentido do mundo que a tivéssemos como central de informações: ela sabia de todos porque amava a todos.
Ai de quem não ligava para ela!
E mais uma vez me repito: ela cuidava porque amava. E sofria porque amava. Não desistia dessa vida, suportava as dores porque nos amava.
A vó é minha, eu não abro mão desse possessivo, porque foi Deus mesmo quem quis que assim fosse. Mas esse amor individual não segregava. Essa mãe é minha, e sua, nossa. Sabemos como era completa a sua alegria se a reunião familiar tinha todos os corações presentes: o dela, com certeza, tocava concertos sinfônicos de amor e, claro, cantava também o caos que era alojar o povo inteiro nas festas e feriados.
Hoje, posso já antever vejo seu sorriso maroto e o brilho no olhar dela: de novo, juntos. Não quero desistir de ser com vocês família, porque a minha vó não perdeu tempo de nos deixar sempre unidos, com esse amor gordo, generoso, paciente, que se moldava ao jeito de cada um.
Minha vó nem era só minha, mas a gente [os netos] sempre gritava bem alto:
"a minha vó me de-eu" para ver quem reagia: só sua não ou então "vóóó, eu também queroo".
A verdade é que era. Minha vó era só minha. Todos tínhamos essa certeza. Não só porque ela nos remetia ao ideal esperado de uma avó: abraços, presentes fora de hora, o melhor arroz do mundo e a incrível ceia de Natal. Historinhas para contar, orações a ensinar, palpites prontos para dar. Não era por isso. A vovó era minha e de todos nós.
Cada um que a tinha perto de si via assim: parte sua.
Não que brigávamos por exclusividade. Vovó é que nos soube tornar únicos na vida dela. Parecia que seu coração queria aprender a pulsar no ritmo de cada um. Eu bem sei que ela gostava do meu ritmo coração-escola-de-samba, do coração-Chico da mamãe, do RitaLee da Érica.
Assim ela passou: uma MINHA para cada um: minha filha, irmã, mãe, vizinha, amiga, vó e bem (aí, sim, único caso que o gênero do possessivo muda: meu bem).
Eu digo minha porque o amor que tenho por ela ainda está aqui: vivo e único. Não consigo me ver como sou sem a intervenção dela. Quase tenho certeza que é assim para toda a família. Minha vó era referência, era essa pessoa que congregava todos os corações num só.
Nunca duvidamos disso, mas eu nunca tinha visto assim tão definido. E, agora, parece-me que faz todo o sentido do mundo que a tivéssemos como central de informações: ela sabia de todos porque amava a todos.
Ai de quem não ligava para ela!
E mais uma vez me repito: ela cuidava porque amava. E sofria porque amava. Não desistia dessa vida, suportava as dores porque nos amava.
A vó é minha, eu não abro mão desse possessivo, porque foi Deus mesmo quem quis que assim fosse. Mas esse amor individual não segregava. Essa mãe é minha, e sua, nossa. Sabemos como era completa a sua alegria se a reunião familiar tinha todos os corações presentes: o dela, com certeza, tocava concertos sinfônicos de amor e, claro, cantava também o caos que era alojar o povo inteiro nas festas e feriados.
Hoje, posso já antever vejo seu sorriso maroto e o brilho no olhar dela: de novo, juntos. Não quero desistir de ser com vocês família, porque a minha vó não perdeu tempo de nos deixar sempre unidos, com esse amor gordo, generoso, paciente, que se moldava ao jeito de cada um.
quinta-feira, março 10
sapato marrom
Voa sapato marrom
Para outro lugar distante
Fica em outra calçada
se esconde na mala
vai, se esquiva
a rastelar solado
a apertar o pedal
Voa sapato apertado
fica em outra vitrine
vai, se abre
a ajeitar outros dedos
a esconder outro pé
Voa sapato bandido
Aterrisa em outro chulé
Para outro lugar distante
Fica em outra calçada
se esconde na mala
vai, se esquiva
a rastelar solado
a apertar o pedal
Voa sapato apertado
fica em outra vitrine
vai, se abre
a ajeitar outros dedos
a esconder outro pé
Voa sapato bandido
Aterrisa em outro chulé
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